“Nunca a psicologia conseguirá dizer a verdade sobre a loucura,
porque a loucura é que detém a verdade da psicologia”.
(Michel Foucault)
Loucura, doença mental e transtorno mental soam naturalmente como sinônimos aos ouvidos de muita gente hoje em dia. Entretanto, evidenciar este fato é apresentar uma verdade parcial. Podemos considerar que a loucura sempre esteve representada e sempre ocupou um lugar especial na sociedade. Entretanto, o louco, entendido como doente mental, é uma construção recente, uma tese criada por volta do século XIX. O fato é que foi a partir de Phillipe Pinel (20/04/1745 – 25/10/1826) que a loucura passou a ser dotada de um estatuto, uma estrutura e um significado psicológicos. Vejamos brevemente como isso se deu.
Durante toda a Idade Média, o saber sobre a loucura não podia ser considerado um conhecimento objetivo, mas compunha um emaranhado de significações sobrenaturais, ou mágico-religiosas. Já em meados do século XVII, surgem diversas instituições asilares e assistenciais desprovidas de qualquer caráter médico em toda a Europa, como la Salpêtrière e Bicêtre, ou os leprosários adaptados São Lázaro e Charenton. A estes depositários de gente são dirigidos todos os tipos de indivíduos considerados “inválidos”: velhos miseráveis, mendigos, desempregados renitentes, portadores de doenças venéreas, prostitutas, libertinos, excomungados, loucos, etc.
Porém, no espírito de mudança reinante na França revolucionária, Philippe Pinel inaugura, no final do século XVIII, com a sua Nosographie philosophique ou méthode de l’analyse appliquée à la médecine, a psiquiatria moderna. A partir de então, a loucura, os transtornos da mente e as ciências médico-psicológicas nunca mais caminhariam separadas.
Pinel inicia um importante processo de humanização e ordenamento da loucura, dotando-a de um estatuto científico sobre o qual incidia um olhar disciplinar e taxonômico. Deveria haver um lugar específico para a loucura, o louco não poderia mais estar misturado a outras categorias de gente. Este lugar constituiu-se como o hospital psiquiátrico, onde a loucura poderia ser estudada e classificada, tratada e contida.
Neste sentido, podemos entender que a psiquiatria fundada por Pinel foi, ela mesma, estabelecida sob os ares de um movimento de reforma. Esta reforma aconteceu nos hospitais de Bicêtre e Salpêtrière, onde os loucos foram desacorrentados e separados dos demais internos. O trabalho de Pinel, assim, representa o primeiro esforço de apropriação da loucura para o domínio da ciência médica, isolando-a para o estudo de suas manifestações e terapêuticas. Sua nosografia inaugura os esforços modernos de análise das formas da doença mental, assim como das fases de sua evolução e das técnicas terapêuticas possíveis para o seu tratamento.
Contudo não podemos deixar de lado a observação de que, desde então, pouco foi feito em favor do louco, embora muitos tenham sido os esforços de apropriação do olhar científico sobre a loucura. Ou seja, a loucura tomada como entidade metapsicológica isolou, do olhar médico, a pessoa que sofre de um transtorno mental. O louco, abandonado nos asilos, serviu a uma certa medicina psiquiátrica como laboratório, ou campo de pesquisas, produzindo um conhecimento médico de grande sofisticação técnica sobre um tipo de loucura específica: a loucura asilar.
Se, por um lado, loucura, doença mental e transtorno mental são conceitos que nem sempre estiveram juntos, por outro lado, enfrentamos hoje o desafio de superar os paradigmas da loucura asilar sem jogar fora os avanços técnicos positivos produzidos pela psiquiatria.
Ou ainda, se como disse Foucault é a loucura que detém a verdade da psicologia, então o psicólogo deve ir até o louco para entender a sua verdade, quer dizer, a psicologia deve compreender a loucura na vida, em liberdade, no trabalho. De fato, a verdade do louco não se define pela doença, assim como não se reduz nenhum enfermo à sua enfermidade.
Vivemos um período singular, propício para uma nova mudança, e a Agrega posiciona-se em defesa de um outro olhar e um outro cuidado para com a loucura. É necessária a abertura de um novo campo de convívio para o louco: o emprego formal. Acreditamos que, através da conquista do trabalho e da cidadania seja possível colocarmos uma pá de cal na imagem da loucura improdutiva e tutelada (crença inventada dos manicômios dos séculos passados), abrindo uma nova possibilidade de relação entre a pessoa com transtorno mental e o corpo social, o que favorecerá o surgimento de novos olhares e novas psicologias da loucura e da lucidez humana.